domingo, 22 de janeiro de 2017

O polvo que abre o frasco






Às vezes, uma experiência mostra uma coisa diferente daquilo que parece mostrar (o que não quer dizer que mostra exactamente o contrário). Isso pode ser o normal resultado de um conjunto de circunstâncias aleatórias (o acaso) ou pode acontecer que a experiência esteja manipulada para produzir o efeito desejado. Se a nossa atitude for de um razoável cepticismo e tivermos alguns conhecimentos sobre o que estamos a ver, não seremos enganados — não tiraremos a conclusão pretendida por quem nos mostra a "experiência", mas outra quiçá mais próxima da realidade.
Um polvo é colocado dentro de um frasco, por sua vez dentro de um aquário ou tanque. O frasco é fechado com uma tampa roscada, tendo pintadas umas setas para indicar ajudar a perceber a rotação. A tampa não é fechada com muito aperto para que, como é compreensível, o polvo possa "fazer" aquilo que se quer mostrar que ele faz: que ele consegue abrir o frasco e escapar. Parecendo que ele cumpriu a primeira parte, ver-se-á no final que ele não saiu do frasco. Ele gosta de se acomodar em cavidades, mas desde que não estejam totalmente fechadas. A parte menos rigorosa da demonstração consiste na rotação da tampa do frasco. O autor pretende mostrar que o polvo aprende a rodar a tampa, o que supõe ele saber também que, rodando num determinado sentido, ela se abrirá. O polvo estaria a fazer aquilo intencionalmente. Mas talvez não esteja, pelo menos ao princípio: ao ver-se encerrado, sem possibilidade de escapar (isso, percebe ele muito bem), começa a mexer-se de forma aleatória, tentando interagir com o recipiente para o reabrir, explorando as possibilidades. Ele empurra e arrasta não só a tampa, mas qualquer superfície com a qual consiga entrar em contacto, o que inclui, naturalmente, a tampa do frasco. Ah, mas ele roda-a para o lado correcto — dirá o espectador mais crédulo. Ele sabe para que lado rodar. Sabe?
Vejamos, para que a tampa rode, ele terá de exercer alguma pressão sobre ela. Como não existe nenhuma parte que ele possa empurrar, ele desloca-a por atrito. Mas ele, além da pressão, tem uma capacidade adicional: a sucção das ventosas, que lhe permite aderir às superfícies sobre as quais são aplicadas. Com isso, pode atrair para si a tampa e, aliviando a pressão que ela iria exercer sobre a rosca se apenas empurrasse — o que a impediria de rodar —, deixá-la como que a flutuar. Se, ao mesmo tempo, girar a parte do corpo que está em contacto com a tampa, ela irá girar também. Isso não acontece de forma contínua, porque ele faz movimentos aleatórios (embora aos mais crédulos pareçam conscientes e intencionais). Se ele girar no sentido em que a tampa se fecha (o que também se vê acontecer no vídeo), ela não se moverá com tanta facilidade, porque é muito maior a probabilidade de ficar a fazer pressão sobre a rosca. Quando ele gira no sentido em que a tampa se abre, a tampa ficará mais vezes a flutuar e, com isso, o movimento fica facilitado. É uma questão de probabilidades.
Mas temos de conceder que o polvo tem a capacidade de aprender por tentativa e erro. Se ele perceber que determinados movimentos — e até, para maior complexidade, determinada conjugação de movimentos — fazem com que a tampa se mova afastando-se, vai alterar o seu comportamento, adequando-o ao meio sobre o qual interage.
Nem tudo é casualidade no modo como o frasco abre. Mas não é, de forma alguma, o resultado exclusivo de um acto premeditado.
O polvo abre o frasco não por saber como abri-lo, mas por conseguir aprender a fazê-lo. Se isso aconteceu por algumas circunstâncias terem sido mais favoráveis… isso nada tem de extraordinário. Afinal, a sorte sempre ajuda, o azar sempre contraria. Não ficou cem por cento demonstrado que o polvo aprendeu a abrir o frasco. Para os cépticos, nunca poderia ser demonstrado que ele já sabia como fazê-lo. Mas é extraordinário que consiga aprender a adaptar o seu comportamento, lá isso é.
No vídeo, nós vemos uma parte da relação que existe entre o polvo e aquele frasco, mas não a vemos toda. Quando a tampa é colocada, o polvo parece não estar a fazer nada para tentar sair, o que lhe seria fácil. É sabido que os polvos gostam de se alojar em cavidades, o que muito bem sabem os pescadores, ao oferecerem-lhes recipientes onde se esconder — e posteriormente serem capturados, porque o Homem tem maior capacidade de previsão do que o polvo… O frasco poderia muito bem já estar ali há algum tempo. O polvo já o considerava o seu esconderijo. A tampa foi um elemento estranho que importava remover, especialmente porque fechava a saída do esconderijo, o que o polvo sempre detecta e de imediato tenta resolver. Por falta de dados concretos, não sabemos como o polvo reage às cores. A tampa era vermelha. Era seguramente bastante diferente do resto do frasco. Se tivesse sido colocada uma tampa de material transparente que, simultaneamente, não fechasse totalmente a saída — por ter algum orifício suficientemente largo — talvez o polvo nem tivesse feito nada. Afinal, ele expulsou a tampa, mas permaneceu dentro do frasco (apesar de o título ser "Octopus Escapes Jar"). Ele não queria simplesmente escapar. Ele queria poder escapar quando necessário. A tampa veio ameaçar essa possibilidade. Por isso ele a removeu. Mas o polvo é um animal de inteligência mais evoluída. Muito poucos outros bichos, admitindo que eram capazes de abrir um recipiente onde tivessem sido encerrados, teriam ficado do local. Teriam antes fugido, aterrorizados. Ele ficou. As circunstâncias mudaram, voltaram a não ser ameaçadoras. A palavra-chave para o polvo é a adaptabilidade... (*)
A experiência está manipulada, mas isso apenas se pretendeu demonstrar que o polvo sabia, desde o início, como abrir o frasco (até porque podia já ter sido ensinado…). É, por outro lado, inconclusiva, se pretendeu demonstrar que o polvo aprendeu a abrir o frasco. A abertura pode ter resultado de circunstâncias aleatórias mais favoráveis (era mais fácil ao polvo abrir o frasco do que fechá-lo). Que o polvo é mais inteligente do que grande parte da bicharada, também parece estar fora de questão.
Depois de ler este texto, parece que não se chegou a conclusão alguma. O leitor podia esperar que se quisesse desmentir a visível intenção de quem fez o vídeo. Mas não é assim. A única demonstração que aqui se pretende fazer é a de que as coisas evidentes que vemos quase nunca são tão evidentes como parecem.
O polvo é que a sabe toda… Tentem lá encarcerá-lo...



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(*) Um comentário que está no YouTube diz a maior parte disto gastando menos tinta:

I like how in the end he's like "actually I'm pretty comfy here, I just wanted you to know I can leave whenever I want".