terça-feira, 5 de setembro de 2017

Madeira queimada





Diz quem sabe (viu, assistiu, esteve por dentro , não intervindo directamente no processo, mas acompanhando de perto o seu desenvolvimento) que depois dos fogos de 2003/2005 foi um regabofe de lucros no negócio da madeira queimada, sempre à conta da desgraça alheia.

A lógica do mercado e da iniciativa privada é aquilo que é, mas podia haver mais escrúpulos por parte dos "empresários" oportunistas — sabendo que a oportunidade (oportunismo é o excesso, o abuso) faz parte do negócio…
Os negócios por aquela zona também sofreram, e de que maneira, um grande abalo com a crise de 2008, mas a maior parte da madeira de pinho que saía do chamado Pinhal Interior, mas não só, acabava  no Levante espanhol, especialmente na zona de Castellón, onde estava e está concentrada a indústria de azulejos e pavimentos, grande consumidora de paletes. Os produtos daquela indústria são extremamente pesados, fabricam-se em enormes quantidades e são transportados para as construções do mundo inteiro. As paletes de madeira são, por enquanto, mais baratas do que qualquer alternativa feita de produtos sintéticos.


Não havendo, em Espanha, madeiras em quantidade suficiente para alimentar aquela indústria, foi necessário importar. Primeiro de Portugal, talvez por estar mais perto, com as vantagens sempre presentes na proximidade. Mas depressa a madeira portuguesa se tornou insuficiente para a crescente procura e houve que começar a importar de outras zonas da Europa — quase exclusivamente nos países bálticos, para ser mais preciso. Ainda assim, o negócio deu em crescer tanto que se tornou necessário adquirir ainda maiores quantidades de madeira, se possível a preços mais baixos. Daí que começaram a vir barcos inteiros carregados de pinho do Brasil e do Chile. Alguma desta madeira acabou por se estragar devido ao alto teor de humidade e às condições do transporte, mas mais tarde esse problema foi resolvido, ao que parece.

Na sequência de algumas épocas de  incêndios em Portugal, houve naturalmente um aumento da quantidade de madeira disponível, a baixos preços. Tal como agora, os proprietários estavam interessados em vender rapidamente, mas ao mesmo tempo viam os preços baixar para valores quase ridículos, ou não conseguiam mesmo encontrar comprador. Em tais condições, os intermediários (os donos das serrações) pagavam aquilo que que queriam e faziam-no quando lhes apetecia. Havia alguns que abusavam mais do que outros, mas ao que constava a prática era generalizada.

É claro que o espanhol é ainda mais esperto do que o português e não deixou escapar a oportunidade de lucrar também. Ia lá deixar todo o proveito nas mãos dos parceiros que tinha deste lado?... Espremeu tudo quanto pôde e depois, quando já não precisava deles, deu-lhes mais ou menos com os pés. Negócio é negócio e as madeiras do norte da Europa e da América do Sul eram as que lhe garantiam o crescimento da actividade. Amigos amigos, negócios à parte…


Existiu naquela parte de Espanha um bom número de produtores de paletes de madeira, mas o negócio tem sido ultimamente dominado por muito poucos. Esta testemunha teve oportunidade de assistir especialmente ao crescimento de um deles, aliás aqui relatado como exemplo, enquanto outros iam sendo absorvidos ou fechavam as portas (fenómeno este que por cá se repercutiu, ao nível das serrações, na sua maioria encerradas).


Espero que se tenha percebido como os altos e baixos do negócio da madeira de pinho portuguesa se tornaram irrelevantes neste contexto. Se os preços já estão comprimidos em condições normais, devido à concorrência de outras zonas, o que se pode esperar depois de uma época de incêndios em que, por um lado, a qualidade da madeira diminui — diminuição de qualidade essa que se agrava a cada dia que passa, por deterioração  —  ao mesmo tempo que aumenta a oferta de uma matéria-prima que já ninguém quer?
  

in vino veritas



Já a minha avó dizia que "quem não sabe latim fica assim" — e acompanhava com um gesto a significar incompreensão. Pois eu, que, tal como a minha avó, nunca aprendi latim, também fiquei assim. Mas só ao princípio, porque agora já não estou assim, embora continue… sem saber latim.
(Foi prometido. Aqui vai. Entendam isto como a dramatização de um pequeno incidente — na verdade já foram mais e vêm-se repetindo com alguma regularidade. Caso sem gravidade, evidentemente, que nem os tempos nem esta estância são apropriados para assuntos de maior calado.)
In vino veritas…
O português deriva do latim, mas parece que deriva pelo lado de baixo. A nossa relação com Roma (ou, melhor, a relação de Roma connosco) fez-se, não através da cultura das elites, mas no dia-a-dia da ocupação, da exploração dos recursos do território recorrendo a mão-de-obra escrava das populações locais.
Para ser mais gráfica a descrição, o ouro foi para Roma, mas quem escavou as minas foram os "ibéricos", comandados pelo chicote dos capatazes e a espada dos soldados romanos. E com quem haviam os imperadores e os senhores cultos de Roma de se relacionar por cá, se isto era povoado por seres mais ou menos "selvagens"?
Entretanto, reza a história, aquele império foi-se abaixo, vieram de todo o lado bandos de desordeiros que invadiram mais do que ocuparam, mas certamente deixaram por cá descendência, até porque é esse o costume. Quando para aqui começaram a vir os adoradores do profeta, teoricamente abstémios, já a população local era uma mistura de tudo e mais alguma coisa. Talvez porque o preconceito religioso é, ou era, um bom travão para a promiscuidade, não terá sido muito profunda a miscigenação com estes últimos ocupantes, oficial e publicamente esquisitos em coisas mundanas, mas ao que parece menos rigorosos quando em privado, que a hipocrisia não é exclusivo só de uns quantos. Por isso, deixemos na dúvida esta última conclusão.
Mas isto é tudo assunto para ser estudado, se é que não o foi ainda, por cientistas, historiadores e outra gente com mais paciência e perseverança — além da ciência, claro. Do que aqui se trata é de estabelecer porque é que uma frase romana, aliás incompleta, aparece aqui citada.
Uma coisa que têm as citações do latim é que são quase sempre traduzidas depois de citadas. Têm de ser, para que se entendam. Mas então, se a nossa língua deriva do latim, não deveria ser fácil, para nós, perceber tudo com facilidade? Responda quem souber…
In vino veritas, in aqua sanitas — no vinho a verdade, na água a saúde… Pronto! Lá tinha que aparecer um palavrão para estragar tudo. Sanitas? Tinham logo que falar de sanitas? Sanitas, sanitário, sanidade, mens sana in corpore sano, porra que não se percebe nada! E fica a conversa estragada.
Pois é isso mesmo que acontece. Fica estragada a paciente construção. Regada com vinho, fica à vista a verdade (sempre é verdade que "in vino veritas") dos fracos alicerces onde assenta. Sem vinho, tudo à vista é polido e organizado. Mas, quando a zurrapa ataca, está tudo estragado… Vê-se o que está por baixo.
Bom, em conclusão: como se vê, está-se-me a acabar a paciência e a ciência. De maneira que terão de me desculpar apenas mais um pequeno atrevimento, um conselho talvez, a oferta de uma daquelas CARAPUÇAS QUE SÓ SERVEM EM CABEÇA QUE AS ACEITE.
Se o vinho vos faz mal, não bebam.
Se não puderem evitar beber, evitem ao menos escrever quando estiverem com os copos.
Se, ainda assim, não conseguirem evitar escrever, não publiquem. Usem, para fins mais higiénicos, o papel (virtual) onde escreveram.
Tudo isto, claro está, apenas se o vinho vos faz mal.
(Já agora, parece que o vinho também dá sono. Se for o caso, durmam até que passe. Além de escrever, evitem também falar.)
Dominus vobiscum.