quarta-feira, 2 de março de 2016

As pedras da História




Para se perceber o passado, ajuda muito tentar reproduzi-lo no presente e, depois, rever esse processo subtraindo-lhe tudo aquilo que ainda não existia na época em apreço.
A visão idílica de uns camponeses  praticando agricultura nos terraços de Machu Pichu e vivendo nas casas que estão mais acima é capaz de não ser exacta. Tendo em conta as dificuldades que, mesmo hoje, com o auxílio de máquinas, se tem para talhar um único bloco de pedra semelhante àqueles com que as casas de Machu Pichu estão construídas, é fácil perceber que o seu custo seria talvez excessivo para as possibilidades de uma pessoa vulgar. 

E uma pessoa vulgar, em qualquer época da História, é uma pessoa pobre. A superioridade numérica dos pobres não é coisa de hoje, por muito que se fale do acentuar das desigualdades. Um agricultor, para prover de alimento a ele e a sua família, teria de dedicar a maior parte do seu tempo à produção de alimentos e, a menos que conseguisse produzir muito mais do que aquilo que consumia, nunca conseguiria obter recursos para pagar a quem lhe construísse uma sólida casa de blocos de pedra bem talhados. 
A Natureza tem os seus efeitos sobre todas as coisas materiais e, no seu eterno processo de reciclagem, vai destruindo o que existe, sempre na busca de um novo equilíbrio. Sobrevive aquilo que é mais resistente: as casas de pedra e não as choupanas de palha e ramos toscos. Como as casas de pedra — mais sólidas mas muito mais caras e, por isso, raras — não chegariam para todos e como, mais do que provavelmente, houvesse uma enorme diferença de riqueza entre as populações e as suas elites, as melhores casas seriam para os ricos, que não precisavam de trabalhar a terra porque tinham ao seu serviço quem o fizesse por eles. 
Assim, aquilo que nos chega como testemunho do passado é a parte mais sólida das construções humanas, as casas onde viviam os poderosos, os templos e fontes que eles mandavam construir. As cabanas apodrecem em pouco tempo, as casas de barro leva-as a água da chuva. E nem todos teriam casa. Não é preciso recuar muito no tempo nem sair de onde vivemos: ainda podemos falar directamente com pessoas que, quando jovens, nunca viveram em casas, porque dormiam nos palheiros e currais, ao lado do gado que lhes estava entregue para cuidarem e pastorearem ou numa cabana junto às terras que tinham de cultivar para os seus senhores; comiam o que calhava e quando lho davam. 
Ficamos empolgados com aquilo que o que resta da Roma imperial nos permite conhecer do seu esplendor, mas, enquanto pensamos nisso, costumamos esquecer que essa riqueza toda não foi produzida ali, na cidade, nem pelos que nela viviam. 
Todos os caminho vão dar a Roma por uma razão: levar a ela aquilo que os que nela não viviam era forçados a produzir. O que nos chega como testemunho material da história humana são as estruturas resistentes com que uns exerceram o seu domínio sobre outros. 
Existem sólidas pontes romanas na Península Ibérica que duraram até hoje porque elas permitiam transportar para Roma o ouro que de cá levaram, escavado e lavado pelas populações locais, sob o chicote dos soldados do império. 
Sobram templos majestosos e enormes pirâmides mas praticamente nada sabemos sobre aqueles que morreram a construí-las. 
Escavam-se túmulos sempre reais, porque a populaça,  foi para a vala comum ou atirada para um poço ou algar, onde às vezes aparecem ossos empilhados, ou ficava a apodrecer nos campos de batalha para onde era enviada pelos seus amos.