sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Nem só a andar se faz caminho


Em rigor, o título da mensagem não é verdadeiro. O caminho faz-se ao andar. Pode é, depois, ser alargado, melhorado, pavimentado, recuperado — ou até abandonado.

O caminho da foto começou decerto quando alguém precisava passar para o seu terreno no outro lado do ribeiro e não queria, ou não podia, atravessar as propriedades dos vizinhos. Como os caminhos em cada uma das margens se encontram desalinhados, desviados entre si uns 15 metros, não teve remédio senão passar pelo próprio ribeiro e, assim, alcançar a vereda que já existia no outro lado, ligando-a de novo à assaquia (*) que vem da aldeia.

Nem todos os caminhos são públicos. Nem todos são completamente privados. Há os caminhos vicinais, meio-termo entre as duas situações. Não são de acesso a todos, mas apenas aos que, vivendo na zona ou estando a ela ligados, tenham necessidade de os utilizar, o que exclui os forasteiros ou curiosos. Este é um caminho vicinal.

Passando o caminho pelo ribeiro — mais exactamente ao lado —, é natural que esteja sujeito às contingências da própria evolução do curso de água. As cheias podem erosionar a plataforma que constitui o caminho, ela mesma feita com a areia e o lodo retirados do leito do ribeiro durante as limpezas, com restos de vegetação e outros detritos que caem do camalhão (**) do terreno contíguo. A falta ou demora das limpezas causam assoreamento, entupindo o ribeiro e deixando a água a correr quase ao nível do caminho. Isso sucede com a propriedade a jusante, quintal avantajado dos donos da herdade local, que não cultivam e raramente limpam os terrenos nesta zona. Desde que herdaram a propriedade, nunca limparam, como lhes competia, a parte do ribeiro que ali corre. Para evitar o total assoreamento da parte onde está o caminho (que fica a montante e já fora desse terreno), sou eu próprio quem, de vez em quando, entro ali, mesmo sem autorização, e desvio a vegetação aquática que cresce livremente, para abrir caminho à água. Mas há-de chegar o dia em que o ribeiro esteja tão entupido dali para baixo que já não tenha desnível nem corrente para arrastar as areias e os lodos e fazer auto-limpeza.


Sendo este um caminho vicinal, seria de supor que pelo menos alguns vizinhos/utilizadores estivessem interessados na sua conservação. Não é assim. O número dos interessados é bastante escasso (apenas três famílias o utilizam com alguma regularidade, exactamente o mesmo das que têm ali terrenos cultivados). Sendo pessoas de certa idade e habituadas a só fazer este tipo de coisas quando "tem mesmo que ser", é natural que não se preocupem com "conservação preventiva", especialmente quando ela aparece feita por algum mais voluntarioso. Chegam a atribuir à Junta de Freguesia o trabalho feito por mim... (!) "Parece que  andaram aí os da Junta a limpar o ribeiro", dizem.

A última operação de limpeza resultou numa subida de uns 10 a 15cm do nível do caminho, bem como a um abaixamento de uns 30cm do leito do ribeiro, numa extensão de uns 15 metros, mais outros 15 metros na "quinta" — mesmo assim insuficiente para atingir o que tinha ainda não há muitos anos. Chega, no entanto para evitar que a passagem esteja permanentemente alagada e convertida num lameiro intransitável.


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Notas:

(*) assaquiaregionalismo —  rua estreita que dá acesso às traseiras e/ou às garagens de edifícios.

(**) camalhão = o m.q. combro, ou cômoro, designando  parede ou talude de suporte de terreno em socalco.