terça-feira, 5 de setembro de 2017

in vino veritas



Já a minha avó dizia que "quem não sabe latim fica assim" — e acompanhava com um gesto a significar incompreensão. Pois eu, que, tal como a minha avó, nunca aprendi latim, também fiquei assim. Mas só ao princípio, porque agora já não estou assim, embora continue… sem saber latim.
(Foi prometido. Aqui vai. Entendam isto como a dramatização de um pequeno incidente — na verdade já foram mais e vêm-se repetindo com alguma regularidade. Caso sem gravidade, evidentemente, que nem os tempos nem esta estância são apropriados para assuntos de maior calado.)
In vino veritas…
O português deriva do latim, mas parece que deriva pelo lado de baixo. A nossa relação com Roma (ou, melhor, a relação de Roma connosco) fez-se, não através da cultura das elites, mas no dia-a-dia da ocupação, da exploração dos recursos do território recorrendo a mão-de-obra escrava das populações locais.
Para ser mais gráfica a descrição, o ouro foi para Roma, mas quem escavou as minas foram os "ibéricos", comandados pelo chicote dos capatazes e a espada dos soldados romanos. E com quem haviam os imperadores e os senhores cultos de Roma de se relacionar por cá, se isto era povoado por seres mais ou menos "selvagens"?
Entretanto, reza a história, aquele império foi-se abaixo, vieram de todo o lado bandos de desordeiros que invadiram mais do que ocuparam, mas certamente deixaram por cá descendência, até porque é esse o costume. Quando para aqui começaram a vir os adoradores do profeta, teoricamente abstémios, já a população local era uma mistura de tudo e mais alguma coisa. Talvez porque o preconceito religioso é, ou era, um bom travão para a promiscuidade, não terá sido muito profunda a miscigenação com estes últimos ocupantes, oficial e publicamente esquisitos em coisas mundanas, mas ao que parece menos rigorosos quando em privado, que a hipocrisia não é exclusivo só de uns quantos. Por isso, deixemos na dúvida esta última conclusão.
Mas isto é tudo assunto para ser estudado, se é que não o foi ainda, por cientistas, historiadores e outra gente com mais paciência e perseverança — além da ciência, claro. Do que aqui se trata é de estabelecer porque é que uma frase romana, aliás incompleta, aparece aqui citada.
Uma coisa que têm as citações do latim é que são quase sempre traduzidas depois de citadas. Têm de ser, para que se entendam. Mas então, se a nossa língua deriva do latim, não deveria ser fácil, para nós, perceber tudo com facilidade? Responda quem souber…
In vino veritas, in aqua sanitas — no vinho a verdade, na água a saúde… Pronto! Lá tinha que aparecer um palavrão para estragar tudo. Sanitas? Tinham logo que falar de sanitas? Sanitas, sanitário, sanidade, mens sana in corpore sano, porra que não se percebe nada! E fica a conversa estragada.
Pois é isso mesmo que acontece. Fica estragada a paciente construção. Regada com vinho, fica à vista a verdade (sempre é verdade que "in vino veritas") dos fracos alicerces onde assenta. Sem vinho, tudo à vista é polido e organizado. Mas, quando a zurrapa ataca, está tudo estragado… Vê-se o que está por baixo.
Bom, em conclusão: como se vê, está-se-me a acabar a paciência e a ciência. De maneira que terão de me desculpar apenas mais um pequeno atrevimento, um conselho talvez, a oferta de uma daquelas CARAPUÇAS QUE SÓ SERVEM EM CABEÇA QUE AS ACEITE.
Se o vinho vos faz mal, não bebam.
Se não puderem evitar beber, evitem ao menos escrever quando estiverem com os copos.
Se, ainda assim, não conseguirem evitar escrever, não publiquem. Usem, para fins mais higiénicos, o papel (virtual) onde escreveram.
Tudo isto, claro está, apenas se o vinho vos faz mal.
(Já agora, parece que o vinho também dá sono. Se for o caso, durmam até que passe. Além de escrever, evitem também falar.)
Dominus vobiscum.