Para se perceber o
passado, ajuda muito tentar reproduzi-lo no presente e, depois, rever esse
processo subtraindo-lhe tudo aquilo que ainda não existia na época em apreço.
A visão idílica de uns camponeses praticando
agricultura nos terraços de Machu Pichu e vivendo nas casas que estão mais
acima é capaz de não ser exacta. Tendo em conta as dificuldades que, mesmo
hoje, com o auxílio de máquinas, se tem para talhar um único bloco de pedra
semelhante àqueles com que as casas de Machu Pichu estão construídas, é fácil
perceber que o seu custo seria talvez excessivo para as possibilidades de uma
pessoa vulgar.
E uma pessoa vulgar, em qualquer época da História, é uma pessoa
pobre. A superioridade numérica dos pobres não é coisa de hoje, por muito que
se fale do acentuar das desigualdades. Um agricultor, para prover de alimento a
ele e a sua família, teria de dedicar a maior parte do seu tempo à produção de
alimentos e, a menos que conseguisse produzir muito mais do que aquilo que
consumia, nunca conseguiria obter recursos para pagar a quem lhe construísse
uma sólida casa de blocos de pedra bem talhados.
A Natureza tem os seus efeitos
sobre todas as coisas materiais e, no seu eterno processo de reciclagem, vai destruindo
o que existe, sempre na busca de um novo equilíbrio. Sobrevive aquilo que é
mais resistente: as casas de pedra e não as choupanas de palha e ramos toscos.
Como as casas de pedra — mais sólidas mas muito mais caras e, por isso, raras —
não chegariam para todos e como, mais do que provavelmente, houvesse uma enorme
diferença de riqueza entre as populações e as suas elites, as melhores casas
seriam para os ricos, que não precisavam de trabalhar a terra porque tinham ao
seu serviço quem o fizesse por eles.
Assim, aquilo que nos chega como
testemunho do passado é a parte mais sólida das construções humanas, as casas
onde viviam os poderosos, os templos e fontes que eles mandavam construir. As
cabanas apodrecem em pouco tempo, as casas de barro leva-as a água da chuva. E
nem todos teriam casa. Não é preciso recuar muito no tempo nem sair de onde
vivemos: ainda podemos falar directamente com pessoas que, quando jovens, nunca
viveram em casas, porque dormiam nos palheiros e currais, ao lado do gado que
lhes estava entregue para cuidarem e pastorearem ou numa cabana junto às terras
que tinham de cultivar para os seus senhores; comiam o que calhava e quando lho
davam.
Ficamos empolgados com aquilo que o que resta da Roma imperial nos
permite conhecer do seu esplendor, mas, enquanto pensamos nisso, costumamos
esquecer que essa riqueza toda não foi produzida ali, na cidade, nem pelos que
nela viviam.
Todos os caminho vão dar a Roma por uma razão: levar a ela aquilo
que os que nela não viviam era forçados a produzir. O que nos chega como
testemunho material da história humana são as estruturas resistentes com que
uns exerceram o seu domínio sobre outros.
Existem sólidas pontes romanas na
Península Ibérica que duraram até hoje porque elas permitiam transportar para
Roma o ouro que de cá levaram, escavado e lavado pelas populações locais, sob o
chicote dos soldados do império.
Sobram templos majestosos e enormes pirâmides
mas praticamente nada sabemos sobre aqueles que morreram a construí-las.
Escavam-se túmulos sempre reais, porque a populaça, foi para a vala comum ou atirada para um poço
ou algar, onde às vezes aparecem ossos empilhados, ou ficava a apodrecer nos
campos de batalha para onde era enviada pelos seus amos.